O poder do negociado sobre o legislado foi estabelecido no art. 611-A da CLT. Sindicatos não podem contrariar texto expresso na lei e nem de tratar matéria que a lei não permita. Todavia, na prática vem acontecendo diferente, pois os acordos coletivos de trabalhos vem estabelecendo cláusulas extrapolando o que a lei permite causando grande confusão a quem deve interpretar e aplicar dos direitos dos empregados: quem devemos obedecer? A lei ou o Acordo Coletivo? Por que o Ministério do Trabalho (MT) permite que certos Acordos Coletivos sejam lavrados com cláusulas que aumentam direitos quando não podem e/ou reduzem direitos por erro de interpretação da lei?
Por exemplo, a hora intrajornada indenizada é de 50% sobre o valor da remuneração sobre a hora normal de trabalho e isso não pode ser negociado porque o texto legal foi taxativo em seu art. 71, §4º, da CLT. Caso a lei dissesse "de pelo menos 50%" aí sim, mas não foi o caso. Entretanto, o sindicato dos Vigilantes de Alagoas em 2019 estabeleceu 60%... e agora?
A própria lei estabeleceu os limites do poder do negociado sobre o legislado:
Art. 611-A. A convenção coletiva e o acordo coletivo de trabalho, observados os incisos III e VI do caput do art. 8º da Constituição, têm prevalência sobre a lei quando, entre outros, dispuserem sobre:
I - pacto quanto à jornada de trabalho, observados os limites constitucionais;
II - banco de horas anual;
III - intervalo intrajornada, respeitado o limite mínimo de trinta minutos para jornadas superiores a seis horas;
IV - adesão ao Programa Seguro-Emprego (PSE), de que trata a Lei no 13.189, de 19 de novembro de 2015;
V - plano de cargos, salários e funções compatíveis com a condição pessoal do empregado, bem como identificação dos cargos que se enquadram como funções de confiança;
VI - regulamento empresarial;
VII - representante dos trabalhadores no local de trabalho;
VIII - teletrabalho, regime de sobreaviso, e trabalho intermitente;
IX - remuneração por produtividade, incluídas as gorjetas percebidas pelo empregado, e remuneração por desempenho individual;
X - modalidade de registro de jornada de trabalho;
XI - troca do dia de feriado;
XII - enquadramento do grau de insalubridade e prorrogação de jornada em locais insalubres, incluída a possibilidade de contratação de perícia, afastada a licença prévia das autoridades competentes do Ministério do Trabalho, desde que respeitadas, na integralidade, as normas de saúde, higiene e segurança do trabalho previstas em lei ou em normas regulamentadoras do Ministério do Trabalho;
XIII - (Revogado Medida Provisória nº 808, de 2017)
XIV - prêmios de incentivo em bens ou serviços, eventualmente concedidos em programas de incentivo;
XV - participação nos lucros ou resultados da empresa.
§ 1o No exame da convenção coletiva ou do acordo coletivo de trabalho, a Justiça do Trabalho observará o disposto no § 3o do art. 8o desta Consolidação.
§ 2o A inexistência de expressa indicação de contrapartidas recíprocas em convenção coletiva ou acordo coletivo de trabalho não ensejará sua nulidade por não caracterizar um vício do negócio jurídico.
§ 3o Se for pactuada cláusula que reduza o salário ou a jornada, a convenção coletiva ou o acordo coletivo de trabalho deverão prever a proteção dos empregados contra dispensa imotivada durante o prazo de vigência do instrumento coletivo.
§ 4o Na hipótese de procedência de ação anulatória de cláusula de convenção coletiva ou de acordo coletivo de trabalho, quando houver a cláusula compensatória, esta deverá ser igualmente anulada, sem repetição do indébito.
§ 5º Os sindicatos subscritores de convenção coletiva ou de acordo coletivo de trabalho participarão, como litisconsortes necessários, em ação coletiva que tenha como objeto a anulação de cláusulas desses instrumentos, vedada a apreciação por ação individual. (grifos nossos)
Por sua vez, o art. 8o, § 2o, da CLT (introduzido pela Lei 13.467/2017), dispôs que súmulas e outros enunciados de jurisprudência editados pelo Tribunal Superior do Trabalho (TST) e pelos Tribunais Regionais do Trabalho (TRT) não poderão restringir direitos legalmente previstos nem criar obrigações que não estejam previstas em lei, reforçando a tese de superação das súmulas pela lei.
Assim, "o negociado" não pode contrariar o que está expresso na lei, vejamos:
Art. 8º - As autoridades administrativas e a Justiça do Trabalho, na falta de disposições legais ou contratuais, decidirão, conforme o caso, pela jurisprudência, por analogia, por eqüidade e outros princípios e normas gerais de direito, principalmente do direito do trabalho, e, ainda, de acordo com os usos e costumes, o direito comparado, mas sempre de maneira que nenhum interesse de classe ou particular prevaleça sobre o interesse público.
§ 1º O direito comum será fonte subsidiária do direito do trabalho.
§ 2o Súmulas e outros enunciados de jurisprudência editados pelo Tribunal Superior do Trabalho e pelos Tribunais Regionais do Trabalho não poderão restringir direitos legalmente previstos nem criar obrigações que não estejam previstas em lei.
§ 3o No exame de convenção coletiva ou acordo coletivo de trabalho, a Justiça do Trabalho analisará exclusivamente a conformidade dos elementos essenciais do negócio jurídico, respeitado o disposto no art. 104 da Lei no 10.406, de 10 de janeiro de 2002 (Código Civil), e balizará sua atuação pelo princípio da intervenção mínima na autonomia da vontade coletiva. (grifos nossos)
Também merece destaque o art. 104 do CC:
Art. 104. A validade do negócio jurídico requer:
I - agente capaz;
II - objeto lícito, possível, determinado ou determinável;
III - forma prescrita ou não defesanão proibida em lei. (grifos nossos)
Por tudo o exposto, entendo que não seja possível que os sindicatos estabeleçam cláusulas dando nem mais nem menos direitos que a lei permita. A própria lei diz o que pode ser negociado e o que não pode. Intervenção mínima é diferente de intervenção nenhuma.
Pensa diferente? Comente abaixo.
Comentários recentes